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terça-feira, 24 de julho de 2012

Beata



Atirou a primeira pedra alegando não ter pecados. O incômodo em momento algum apareceu e não se contentando com o feito tratou logo de causar mais estragos. A língua afiada como adaga se fincou ao coração da pobre vítima que em nada se defendia, em nada retrucava. 
O que se supõe é que não se faça caso em teto sagrado e que beatos estão tão próximos de Deus quanto de sua misericórdia em termos de sentimento pelo próximo. O engano fora apresentado advindo do discurso da humana sem pecados, o véu que lhe cobria o rosto caiu ao chão revelando sua face nefasta, prejudicial, tóxica. Via-se o músculo subir e descer no centro da caverna do diabo que tornava sua boca.
Tornou-se impossível contrair os pulmões e respirar. Quem estava mais próximo da cobra peçonhenta sentia a saliva queimar ao pescoço e em outras partes a qual pousavam.
_ Deus nos livre e guarde desse e de outros pecados. Persistia com seu discurso funesto. _ Luxúria, avareza, soberba...
Tamanho o desconforto a vítima reagiu. Um golpe certeiro, cortou-lhe a língua. Não fora cruel o crime, fora unanime, todos os presentes consentiram. Ainda pensaram na possibilidade de ser um presente, entregar-lhe o silêncio seria um ótimo embrulho para a paz.
Imobilizada que estava, restava-lhe ouvir o desagradável. Depois fora deixada a sós.
As reflexões foram emergindo simultaneamente sem dar-lhe tempo para reconsiderar e reformular suas concepções e atitudes controversas. Não conseguia pronunciar um pedido de desculpas, estava enterrada em suas angustias e erros. Percebera tarde de mais que em condição de reles humana estava sujeita ao pecado que tanto alegara não ter, às armadilhas da vida, ou como preferia dizer, "de satanás". Restava-lhe agora se aproximar com verdade de Deus e esperar dele sua misericórdia.

sábado, 7 de julho de 2012

Areia movediça




Dois jaziam num buraco fundo de lama, pelo meio encobertos e sem qualquer sinal de ajuda para removê-los da morte vagarosa, mas ávida, que os vigiavam.  Restaram-lhe um ao outro, apenas, de asilo, o rosto de um refletido no olhar do outro e vice-versa via-se o desespero. Um diálogo de escape fora iniciado por menos vontade que opção.
_ Será possível? Morrermos assim sem ninguém? Atirou um contra outro.
_ Não desdenhe de seu companheiro de morte.
_ Não faço desdém. É a mais pura verdade.
Calaram-se em falta do que dizer! Minutos a mais se passaram e a lama já lhes alcançava o peito.
Afirmando que não entregaria a vida à lama, começou a se debater o que mais aflito parecia.
_ Se ficar parado, demora mais para afundar.
_ Para você é fácil falar, a lama parece repeli-lo. 
_ Talvez porque eu esteja quieto. Provocou.
_ Talvez seja sujo de mais até para morrer na lama.
_ Pode ser.
É como uma impureza saindo do corpo em forma de espinha.
O incomodo pesou sobre o outro, empurrando-o mais depressa para o submerso. Nem assim deixou de se importar com a frieza do companheiro de morte. Importunando-o.
Cada vez mais aumentava o tom de voz atirando palavras inconformadas. Perdendo o controle, debatendo-se, até que a lama o consumiu por completo.
Ainda imerso, esperou que as bolhas parassem de subir a superfície.
_ Morto! Única palavra que se atreveu em dizer ao outro que agora já não mais o poderia ouvir.
Calmamente levou um dos braços a frente, firmou a mão aos cabelos do corpo já atolado e puxou-o para si. Usou-o para sua fuga.
Saindo do buraco, limpou-se do cheiro de morte e lamentou pelo outro.
_Tivesse se preocupado em sair do buraco ao invés de ficar reparando... poderia ter se salvado.
Deu as costas e partiu para longe, deixou ali apenas o silêncio da morte.